Aqui... O Lugar da Morte


A morte é um lugar. O lugar.
Tudo morre, tudo se desfaz e tudo fica.
Misturado ao pó, transformado em pó...
Existindo no pó.
Tudo.
A pele, a carne, as unhas, o sangue.
As lembranças.
Tudo existe e persiste no pó.
Misturado.
Aqui. E para sempre.
Os sentimentos, os dentes, os gostos...
O cachorro que guarda a morte.
Enterra. Esconde.
Brinca e dorme sobre ela.
E mija sobre ela.

Eu morri em ti. Canta pra mim.

Aqui, o lugar depois da morte descrito por uma menina - Martina Sohn Fischer - em um texto onde a poesia abre valas para nos acomodar dizendo: "Aqui é seguro. Aqui nada machuca."
Aqui, o lugar da morte projetado por uma mulher - Juliana Galdino - em uma encenação onde muitas pás de areia são jogada sobre nós, nos impondo a imobilidade e a falta de ar até nos libertar da necessidade de movimentos, de respirar.

É bonito aqui.
Aqui nada machuca.

A peça "Aqui", em cartaz no Club Noir nos transporta para um lugar onde todos já sonhamos estar, mesmo que em pesadelos. E para onde todos vão. Todos nós iremos.

Fiel à estética característica da Cia Club Noir mas sem o radicalismo das recentes encenações de Roberto Alvim, a direção de Juliana Galdino usa de elementos cênicos, música e movimento para compor um espetáculo que surpreende a cada segundo.
Juliana e Roberto falam a mesma língua mas com sotaques distintos. Juliana e Roberto dialogam muito mas ambos mantem suas próprias identidades, enriquecidas pelo outro em uma relação protocooperativa.
A direção de Juliana é feminina, com detalhes que enriquecem, toca os sentimentos - mesmo que seja para machucar. Já a de Roberto é masculina, limpa de qualquer possibilidade de excesso, seca até o essencial do essencial.
"Aqui" é mais um texto perfeito para as mãos e o olhar de Juliana Galdino, que eleva à potência exata sua densidade/intensidade e nos conduz, desde a primeira palavra, por essa seara de terra preta com gosto de carne, esse lugar para onde vamos e não sabemos ao certo onde é.
Esse lugar é "Aqui".
A Juliana Galdino atriz - talvez a melhor do teatro contemporâneo brasileiro - quando se torna a Juliana Galdino diretora, se multiplica em seus atores, extraindo deles uma infinidade de texturas, imagens e sons. Como quando ela está em cena, os atores que se colocam sob sua direção são obrigados a ir muito além da construção de um personagem. Juliana faz abri-los, revirá-los por dentro, em uma dissecação curiosa da alma humana.
No elenco, formado em sua maioria por atores bem jovens, destaca-se a atuação de Gabriela Ramos, Fernando Gimenez e Bruno Ribeiro, responsáveis por alguns dos momentos mais arrebatadores do espetáculo. Momentos de catarse permitidos/provocados por Juliana. O feminino que nos permite, inclusive, a chorar.



Aqui,
de Martina Sohn Fischer
Direção de Juliana Galdino
Com: Paula Spinelli, Marcelo Rorato, Gabriela Ramos, Fernando Gimenez José,,, Renato Forner, Zé Geraldo Jr.
Projeto Mostra de Dramaturgia Contemporânea Brasileira
De 3ª a 5ª feira, às 21h00
Entrada Franca
Club Noir - Rua Augusta, 331 - São Paulo

ciaclubnoir.blogspot.com.br

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